ECA completa 20 anos com avanços para o bem-estar social dos jovens

Especialistas dizem que o Estatuto tem proporcionado melhora significativa de vários indicadores sociais, mas ainda peca em avanços na formação profissional dos jovens e no combate às drogas

Para os defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) , que completa 20 anos nesta terça-feira (13), as críticas em relação a uma suposta ineficácia ou permissividade têm origem no desconhecimento e na deturpação da legislação, que levam setores da sociedade a exigir a aprovação de punições mais severas para adolescentes em conflito com a lei, como a redução da maioridade penal. Os especialistas são unânimes em afirmar que o ECA trouxe importantes instrumentos para garantia do bem-estar social dos jovens brasileiros.
"Os crimes cometido por adolescentes concorrem para aumentar o medo e a insegurança, gerando a sensação de que o ECA guarda algum tipo de relação com essa triste e cruel realidade. Só que, evidentemente, o estatuto não é responsável pelas mazelas. Pelo contrário. É por meio dele que crianças e adolescentes vem sendo incluídos nos serviços de saúde, educação, lazer e cultura", afirmou o promotor da Vara da Infância e da Juventude de São Bernardo do Campo, Jairo de Luca.
Ariel Castro Alves, presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo - entidade que desenvolve programas e projetos de proteção social de crianças e adolescentes - e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), defende que, juntamente com outras políticas públicas, o ECA tem proporcionado uma melhora significativa de vários indicadores sociais, como a redução da mortalidade infantil e dos casos de gravidez precoce e do aumento do número de estudantes matriculados no ensino fundamental.
Contudo, Alves destaca que ainda há muito a ser feito para garantir, de forma eficaz, os direitos das crianças e dos adolescentes do país e proporcionar a eles um futuro melhor. Alves aponta três áreas que considera prioritárias: a formação profissional dos jovens a partir dos 16 anos; o enfrentamento ao tráfico e à dependência de drogas, com especial atenção ao crack (droga derivada da cocaína, de custo baixo e alto poder de dependência), e o trabalho com as famílias desestruturadas.
"É gerando oportunidades para jovens e para suas famílias que nós iremos enfrentar a criminalidade e não por meio da redução da maioridade penal", enfatizou Alves. "Colocar os adolescentes em presídios não significa dizer que eles serão recuperados pois nosso sistema prisional tem cerca de 70% de reincidência, enquanto no sistema de internação de adolescentes e infratores - que ainda não funciona conforme estabelece o próprio ECA - esse índice não passa de 30%".
S., de 17 anos, é um dos muitos jovens que alegam ter encontrado um porto seguro em um dos estabelecimentos públicos que trabalham seguindo as determinações do estatuto. Desde os 11 anos, ele está abrigado na Fundação Criança de São Bernardo do Campo, para onde foi levado por conselheiros tutelares após ser espancado pela tia que deveria cuidar dele desde a morte da mãe.
"Antes de eu vir para a fundação, eu só saía de casa para ir à escola e apanhava todos os dias. Aqui, com o ECA, eu aprendi que tinha direitos e também responsabilidades e, hoje, se eu sou quem eu sou não é só por minha força de vontade, mas também pelo estatuto, que me ensinou que eu tenho inclusive o direito de me expressar", afirmou o jovem. "O único medo que eu tenho é de ter de morar na rua quando chegar a hora de deixar a fundação. Há poucos cursos profissionalizantes para nós jovens e eu acho que deveríamos receber um melhor preparo para a vida real porque muitos de nós, quando chegam aos 18 anos, não têm onde morar, não têm emprego e nenhuma experiência profissional".

FONTE:
http://www.abril.com.br/noticias/brasil/eca-completa-20-anos-avancos-bem-estar-social-jovens-578042.shtml
 
 

 
O que mudou na vida das crianças e adolescentes brasileiros nesses 20 anos de implementação do ECA? DEPOIMENTOS




Paulo Vannuchi - Ministro de Estado da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República: Foi a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente que brasileiros e brasileiras com idade até 18 anos passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, e não mais como incapazes, como previa a legislação anterior. Este novo olhar possibilitou uma verdadeira mudança de paradigma: definiu a proteção integral a este grupo como um dever de todos, poderes públicos e sociedade civil e inseriu, de forma definitiva, os direitos das crianças e adolescentes na agenda política nacional.



Rita Camata - Deputada Federal e e uma das redatoras do ECA: O Estatuto da Criança e do Adolescente foi fundamental para mudar a visão que o Poder Público, a sociedade e as famílias tinham da infância e adolescencia brasileiras, aumentando a conscientização e a contribuição desses setores na melhoria da qualidade de vida de meninos e meninas.

No entanto, ainda temos inúmeros desafios, é preciso melhorar a qualidade do ensino, reduzir os altos índices de gravidez na adolescência e a violência contra essas pessoas que continua sendo um problema de difícil solução. Apesar da redução nos índices de trabalho infantil, o fato de mais de um milhão de crianças e adolescentes estarem inseridas no mercado de trabalho, com uma jornada em média de 26 horas semanais e muitos trabalhando em atividades não remuneradas também é preocupante, mas temos a certeza de que todos estes desafios serão superados.


Magic Paula - Ex-jogadora de basquete e fundadora do Instituto Passe de Mágica: A grande revolução que o ECA traz é a criança e o adolescente como prioridade absoluta e isto é um grande marco na legislação brasileira, pois supera uma visão reducionista e fatalista que o Código de Menores impunha sobre as crianças e adolescentes no Brasil.

Gilberto Dimenstein - Jornalista e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz: Com a implementação do Estatuto, a criança passou a ser alguém que tem direito e com isso se estimularam uma série de políticas públicas ao longo desses 20 anos para que esses direitos sejam respeitados.

Rappin Hood - rapper, autor de diversas composições e repórter do programa Metrópolis, da TV Cultura: Acredito que muito ainda deva ser feito, mas o ECA trouxe à tona o assunto, trazendo um maior diálogo e algumas pequenas vitórias contra os conservadores sobre esse assunto. Mas ainda gostaria de ver um rigor maior na aplicação do ECA, depende de nós.Tamo junto!

Neide Duarte - Jornalista da Rede Globo: O ECA trouxe para a nossa vida a experiência de ver uma criança ser levada à sério, de reconhecer nela uma cidadã, como qualquer pessoa adulta. Mas o mais importante, para mim, é a atitude que o ECA traz de expandir a consciência de toda uma sociedade. Tudo o que antes era apenas prerrogativa paterna, educar, bater, enfim, tudo o que era exclusividade da família passa a ser responsabilidade de todos nós. O ECA nos deu isso: a noção clara de que todos nós, brasileiros, somos responsáveis pela educação e criação de cada uma das nossas crianças.

Itamar Gonçalves - Coordenador de Programas da Childhood Brasil: Podemos dizer que, com a instituição do ECA, o Brasil finalmente despertou para a questão da violência sexual infanto-juvenil. Os motivos: o Estatuto levantou o paradigma da promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta e estabeleceu novas bases para o enfrentamento a várias formas de violência contra estes cidadãos em condição especial de desenvolvimento, que haviam sido naturalizadas pelos costumes. A mobilização social em torno dos direitos da infância contribuiu para o agendamento das ações de conscientização social, bem como de ações preventivas e de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Outro ganho definitivo são os Conselhos Tutelares, estabelecidos com base na premissa da municipalização do atendimento à infância e adolescência. Os Conselhos funcionam como caixas de repercussão, dando visibilidade à causa.

Aracélia Lúcia Costa - Superintendente da APAE - SP: O ECA nasceu com o objetivo de mudar o paradigma com que a criança e o adolescente eram vistos pela sociedade, passando de um olhar assistencialista para um olhar de garantia de direitos, de proteção, e não mais de punição. Contudo, também sabemos que a promulgação de leis provoca mudanças culturais e comportamentais na sociedade e que qualquer mudança no olhar é um processo. Por isso, o Estatuto vem se tornando realidade gradativamente à medida que vem sendo inserido nas agendas públicas, apropriado pela Sociedade Civil Organizada e conhecido pelos cidadãos. Neste vigésimo aniversário do ECA, devemos comemorar com muita alegria, pois conseguimos romper com um velho paradigma, proporcionando uma nova visão da Sociedade em relação à criança e ao adolescente, mas é preciso mais... É preciso CONSOLIDAR esta conquista a cada dia e APRESSAR este processo, pois a infância brasileira não pode esperar!

“Nova geração de crianças e jovens conhece seus direitos”, afirma conselheiro tutelar

do Portal Pró-Menino
Murillo Magalhães

No ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 20 anos de existência, as dificuldades enfrentadas pelos atores da rede articulada de pessoas e instituições responsável pela implementação cotidiana dos direitos infanto-juvenis – o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) - são desafios a ainda serem superados.

Um dos atores desse Sistema é o Conselho Tutelar, órgão responsável pela garantia do cumprimento dos direitos previstos. O representante desse órgão, o conselheiro tutelar, é quem atende queixas, reclamações, solicitações e reivindicações feitas por crianças, adolescentes, familiares e outras pessoas da comunidade. Também orienta e encaminha casos. Essa assistência, porém, não substitui os programas de atendimento à criança e ao adolescente, e o exercício de suas atribuições não depende da autorização do Executivo ou Judiciário. Suas decisões somente podem ser revistas pelo Juiz da Infância e da Juventude, a partir de requerimento daquele que se sentir prejudicado.

Luís Antônio Lopes, 39 anos, foi eleito conselheiro tutelar em 2008 da unidade no bairro do Butantã em São Paulo. Antes disso, ele já trabalhava em um Centro Comunitário na comunidade Vila Dalva, no Rio Pequeno. “A idéia dos Conselhos é que seus representantes venham da base. Por isso, quando surgiu a eleição, eu me candidatei, tive mais de 300 votos só na urna da minha comunidade e fiquei em segundo lugar no resultado final”, contou ele. As eleições para o Conselho são organizadas pelos Conselhos Municipais e cada mandato dura três anos, com a possibilidade de uma reeleição.

Para o conselheiro do Butantã, seu trabalho é prejudicado pela falta de investimento público. “É uma experiência de vida muito boa, mas a luta é muito árdua, ainda mais com os diversos problemas que enfrentamos em nosso cotidiano. A infra-estrutura em minha unidade, por exemplo, não permite que haja privacidade no atendimento, já que todos os cinco conselheiros trabalham em uma mesma sala. Além disso, a demanda é muito alta, e chega a 100 casos em um único dia”, disse ele.

Uma Resolução de 2001 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda uma proporcionalidade para que o atendimento seja eficiente e estipula a existência de um conselho tutelar para cada 200 mil habitantes de um município. Porém, no caso do bairro do Butantã, por exemplo, essa proporção não é seguida. Segundo dados da subprefeitura do bairro, somente em 2008 havia 384 mil habitantes.

Segundo a pesquisa Conhecendo a Realidade, feita em 2007 pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats), à época havia 4880 Conselhos Tutelares para 5880 municípios no País. Por isso, mais de 680 municípios brasileiros estavam desprovidos de Conselhos Tutelares. E dos existentes, 4% estavam inativos (confira aqui os demais resultados dessa pesquisa).

Aniversário do Estatuto

Luis acredita que, atualmente, os jovens conhecem seus direitos graças à presença do ECA na escola. “É uma nova geração que conhece seus direitos. Hoje, é normal que adolescentes apareçam por aqui. Uma vez, uma mãe me disse que a própria filha queria procurar o Conselho Tutelar porque não concordava em ser agredida dentro de casa”, contou ele.

O principal avanço ao longo desses 20 anos de existência do Estatuto, segundo o conselheiro, é esse conhecimento dos direitos entre os jovens. No entanto, ele gostaria que as pessoas conhecessem mais sobre a existência e funções dos atores da rede de garantias dos direitos. “O Estatuto é mais uma lei que foi feita no Brasil. Sozinha ela não muda nada. O Conselho Tutelar sozinho também não faz milagre. É parte de um sistema, em que participam órgãos do Judiciário e a sociedade civil. As pessoas precisam entender isso”, afirmou. Para Luis, esse é principal desafio para o futuro. “Só assim, os direitos infanto-juvenis poderão sair do papel de vez”.

fonte:http://www.promenino.org.br/








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